Transcorrido um ano e meio da pandemia, a campanha “Não Sofra Sozinho”, que foi lançada em setembro de 2019 pela Fenae, será rediscutida por um grupo de diretores da Federação para subsidiar as Apcefs (Associações de Pessoal da Caixa) na proposição de políticas e práticas sindicais e institucionais de prevenção das psicopatologias do trabalho dos empregados na Caixa. 

As problemáticas vivenciadas pelos empregados da Caixa decorrentes da pandemia de Ccovid-19 e os impactos do trabalho remoto na saúde desses bancários estão no centro das reflexões dos diretores. 

O presidente da Fenae, Sergio Takemoto, observa a urgência da Caixa com ações de apoio e atenção especial à saúde mental do trabalhador. “A pressão profissional, a sobrecarga de trabalho muito maior devido às exigências de metas a cumprir, condições do teletrabalho e uma série de vulnerabilidade são urgências que pensamos para que os colegas que estão em sofrimento mental sejam ajudados. Assim, levaremos a demanda para a Caixa, que como empregador precisa encontrar soluções”, frisa.

Para subsidiar essa avaliação, a Fenae utilizará dados e discussões: estudos teóricos de especialistas em psicologia do trabalho, avaliações de representantes de entidades associativas e sindicais, entrevistas em série de lives da Fenae e o resultado da pesquisa de opinião sobre ambiente organizacional, realizada em maio de 2018 intitulada “Saúde do trabalhador da Caixa”.   

A referida investigação foi conduzida pelo Instituto FSB Pesquisa, a pedido da Fenae, e divulgada durante o 1º Seminário sobre Saúde Mental dos empregados da Caixa, em setembro de 2019, juntamente com a cartilha que leva o mesmo nome da campanha. Consulte a cartilha no site da Fenae. 

Fabiana Matheus, diretora de Diretora de Saúde e Previdência da Fenae, considera que a situação da saúde, assim como o sofrimento mental dos empregados da Caixa foram gravemente afetadas pelo “isolamento social e pelo home office implementado às pressas”.

“O que os canais de denúncia colocados à disposição pela Fenae aos empregados da Caixa confirmam é o agravamento dos problemas que as pesquisas realizadas em 2018 e início de 2019 já indicavam: um quadro grave de depressão e ansiedade devido ao isolamento, problemas do home office implementado às pressas e sentimento de inseguranças devido à pressão do banco por metas – em um momento em que as pessoas precisam sobreviver a toda ordem de problemas de uma pandemia. Isso é muito preocupante”, frisa Fabia Matheus. 

Segundo a diretora da Fenae, a ideia é promover uma nova pesquisa com um questionário com formato que considere as novas dinâmicas do trabalho remoto ocorridas no cenário da pandemia e os efeitos gerados na saúde dos empregados da Caixa. 

Professora recomenda atenção para identificar impactos na saúde mental dos empregados   

Modalidade amplamente adotada como medida de prevenção à disseminação do novo coronavírus desde março de 2020, o teletrabalho vem despertando discussões no campo da saúde do trabalhador, em especial, o adoecimento mental.     

Quem aborda problemas dessa ordem e chama atenção para o fato é a professora da Universidade de Brasília, Ana Magnólia Mendes, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. A especialista contribuiu com ações de conscientização da Fenae da campanha “Não Sofra Sozinho”, em 2019, em conjunto com a pesquisadora Fernanda Sousa Duarte. 

Ana Magnólia ressalta que a experiência profissional e reflexões realizadas mostram que, após a adoção do trabalho remoto na pandemia, houve elevada piora na incidência dos distúrbios mentais de empregados, muitas decorrentes das relações de trabalho. Fato que merece maior atenção, em todas as áreas, e pesquisas para a identificação do que potencializa tais danos.

A psicóloga cita a hiper conexão dos trabalhadores às tecnologias como fator gerador de danos físicos, psicológicos e sociais. “Há uma situação de falta de limites pelo uso de aplicativos e de exposição excessiva com as tecnologias, que estão trazendo danos que provocam o empobrecimento das subjetividades das pessoas”, avalia. 

Segundo Ana Magnólia, são questões que chegam a gerar problemas cognitivos (processos mentais de pensar, por exemplo), que levam o trabalhador à exaustão e a sofrer impactos nos laços sociais e de resistência na própria ação política. 

Como exemplo, a profissional alerta para o uso de aplicativos na gestão do trabalho e de plataformas digitais que podem “aprisionar o sujeito político e possibilitar o seu controle, a opressão e a interdição”, entre outros impactos na saúde dos empregados. “Esse sistema não permite o pleno funcionamento dos sujeitos políticos”, observa Ana Magnólia, ao apontar tali situação desafiante para as entidades representativas dos trabalhadores.

Na raiz do problema, a professora vê o capital financeiro como o “gerador de desmantelamento do pensar, do agir e que provoca distorções e impedimentos ao trabalhador”.   

Sobre o cenário de antes, de depois da pandemia e as relações de trabalho, a especialista diz que as situações de saúde mental se agravaram e devem ser confrontadas com as novas regras do teletrabalho remoto, conforme o que se exibem no universo de algumas categorias. 

A professora diz que questões de saúde física e mental de trabalhadores são recorrentes e sugerem investigação. Ana Magnólia cita estudos realizados com a pesquisadora Fernanda Duarte – por meio do Sindicato dos Bancários de Brasília – sobre esses danos, físicos, psicológicos e sociais.  

 
“O assédio moral, a medicalização e os transtornos mentais foram enormemente agravados depois das situações de isolamento, de interdição, dos medos e de incertezas que os trabalhadores vêm passando desde março de 2020 pela situação de pandemia”, diz a professora. 

Ana Magnólia esclarece que seus estudos são baseados nas análises de quatro categorias: organização do trabalho, estilo de gestão, nos indicadores de sofrimentos e esgotamento emocional e nos danos físicos e psicológicos que o trabalho pode provocar. 

Análise de conteúdo e documental sobre esse escopo realizada pela professora, antes da pandemia, mostrou: sobrecarga de trabalho (decorrência de cobranças das chefias, insatisfação e demasiado emprego de horas-extra) e sofrimentos mentais (depressão, ansiedades e transtornos do estresse). 

A professora completa que o esgotamento emocional dos empregados decorre da rigidez na dinâmica das relações de trabalho, que leva como resultado final doenças e transtornos mentais. A subnotificações do adoecimento é outro problema apontado por Ana Magnólia, representando um “mascaramento do adoecimento”.   

Nesse sentido, Ana Magnólia explica o problema dos empregadores, como a própria Caixa, não emitirem o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) para reconhecer um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional, e nem o próprio empregado o faz admitir por medo de sofrer preconceito, discriminação ou retaliação por parte dos colegas. 

Dois dados alarmantes apresentados nas análises que, segundo a professora, promovem riscos para a saúde dos empregados são: o assédio moral e a medicalização. “A medicalização e o assédio se articulam com essa subnotificação, pois o trabalhador é capturado por um discurso tirânico e opressor a ponto deste esconder a sua própria doença nas relações com os colegas e com o chefe”, avalia Ana Magnólia.

Em relação à medicalização dessa categoria, a especialista conta que os remédios mais usados são os antidepressivos e ansiolíticos, além dos anti-inflamatórios e analgésicos, conforme aponta pesquisa realizada pela Fenae, e muito presente na confrontação desses dados em suas pesquisas teóricas sobre a categoria. 

No quesito do assédio moral, ao citar mais uma vez a pesquisa, a professora conta que metade dos participantes já passaram por algum episódio que envolve à dignidade humana, “envolvendo falta de respeito, discriminação e preconceitos”, avalia, Ana Magnólia. 

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