Depois de passar pelo Senado Federal com placar apertado (42 x 37), a Câmara dos Deputados carimbou em segunda votação nesta segunda-feira (21), um dia antes do fim da validade, a Medida Provisória 1031/21, que autoriza a privatização do Sistema Eletrobras, definida por entidades ligadas aos trabalhadores da estatal como nociva para o desenvolvimento regional do Brasil. O texto da MP, que entre os deputados recebeu 258 votos a favor e 136 contra, foi aprovado em meio a um movimento de resistência de bancadas parlamentares e de setores do próprio Executivo. Foi resultado direto da passagem da “boiada da privatização” no Congresso Nacional, através de todo tipo de lobby, promessas e concessões.  
 
Com base nessa MP, a privatização da maior empresa de energia elétrica da América Latina está sendo definida como crime contra o país e o povo por parlamentares, trabalhadores e entidades que defendem o patrimônio público. As críticas recaem sobre dispositivos que obrigam o governo federal a contratar energia gerada por usinas térmicas a gás para as diversas regiões brasileiras. A Medida Provisória poderá resultar ainda em um custo adicional de R$ 84 bilhões aos consumidores de energia elétrica.   
 
Outro alvo de contestação diz respeito ao dispositivo que autoriza as usinas da Eletrobras, que hoje vendem energia pelo mercado regulado, passarem a vendê-la no chamado mercado livre, a um preço bastante superior. A manobra, na prática, significará uma explosão no custo da energia. É mais do mesmo: no lugar de uma empresa preocupada em gerar energia barata e de boa qualidade para a população, o formato escolhido é por uma gestão medida por sua capacidade de gerar lucros aos acionistas privados, com ameaças à soberania energética do país. 
 
A intenção do atual governo em levar adiante os planos de privatização do patrimônio do povo brasileiro é contestada pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e por outras entidades representativas, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE). Em nota, a FNU informa que “vender a Eletrobras é abrir mão das bacias hidrográficas brasileiras, assim como do controle de águas como a do Rio São Francisco”. O processo privatista provocará consequências danosas para o país, segundo o CNE, “a começar pelo aumento na conta de luz da população, fora as questões do desenvolvimento econômico, social e regional, que serão prejudicadas em nome do lucro privado”.  
 
A CUT lembra também que defender a Eletrobras é defender a soberania nacional, dado ser a estatal superavitária e ostentar condições de construir a integração nacional, por estar presente em praticamente todas as cidades e regiões do país. E afirma ainda que a maior empresa do setor elétrico, com capacidade instalada de 51.143 MW, representando 30% do total da geração de energia do Brasil, afetará igualmente o meio ambiente, com políticas de descaso como vem ocorrendo com a Companhia Vale do Rio de Doce, privatizada pelo governo do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, que jamais se preocupou em proteger os biomas onde atuam e suas populações locais. Para exemplificar essa denúncia, a Central Única dos Trabalhadores cita o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais.  
 
No Congresso, parlamentares sinalizam sobre o risco da privatização da Eletrobras, por representar perda da soberania no setor elétrico, aumento desenfreado da tarifa de luz e abertura de mais espaço para as térmicas, em detrimento de fontes renováveis, encarecendo o valor da energia para o consumidor residencial e para grandes consumidores, como o setor industrial, como parte da inclusão dos chamados “jabutis”, termo criado para definir os dispositivos sem relação com o texto original, na MP aprovada por deputados e senadores. O temor é justificável. Nos últimos três anos, a Eletrobras gerou R$ 30 bilhões de lucros para a economia brasileira.  Em seu perfil no Facebook, a ex-presidenta Dilma Rousseff também condenou a privatização do setor elétrico público, com o argumento de que a medida tira do país um instrumento para evitar a falta de energia e os racionamentos.  
 
Irregularidades na proposta de desestatização 
 
São cada vez maiores os indícios de que o processo de desestatização de empresas públicas está sendo conduzido de maneira irregular. Sergio Takemoto, presidente da Fenae, denuncia: “Combinada com o fatiamento da área de seguros e de outros setores lucrativos da Caixa, como loterias e cartões, a venda do patrimônio público agravará ainda mais a crise econômica que o Brasil atravessa, pois levará ao aumento do desemprego e ao fim de políticas públicas que contribuem para o desenvolvimento social e econômico de conteúdo nacional”.  
 
Segundo ele, como a privatização da Eletrobras abre uma nova onda de venda do patrimônio público no país, existe a necessidade de os trabalhadores, a população e a sociedade intensificarem a luta e resistirem contra a entrega para a iniciativa privada da maior empresa elétrica brasileira, de modo a evitar também o desmonte da Caixa e de outras empresas públicas.  
 
O presidente da Fenae protesta ainda pelo fato de a gestora de recursos do banco público figurar como mais uma do radar de abertura de capital de subsidiárias, previsto para o segundo semestre deste ano, conforme notas publicadas em jornal de grande circulação.  O plano é tentar emplacar a oferta pública inicial de ações em etapas, começando pela estruturação, dependente ainda do aval do Banco Central. Na sequência, a proposta é fazer a migração dos fundos para a gestora, medida considerada necessária para que então ocorra o IPO.  
 
Para a Federação Nacional das Associações do Pessoal, a luta contra a privatização da Caixa, do Banco do Brasil, da Eletrobras e dos Correios precisa ser intensificada. “São as empresas públicas que possibilitam ao governo adotar medidas anticíclicas. Nosso apoio aos serviços prestados pelas estatais visa defender o direito da população a essas políticas públicas”, reitera Sergio Takemoto.   
 
Com apoio de diversos setores do país, os trabalhadores da Eletrobras se mobilizam por direitos, democracia, soberania nacional e em defesa das empresas públicas. A batalha, agora, será travada no campo jurídico, buscando junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade da MP 1031, de modo a preservar o Sistema Eletrobras como patrimônio de todo o povo brasileiro. “A luta é pelo Brasil e por cada cidadão brasileiro”, declara o Coletivo Nacional dos Eletricitários.

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