A questão do assédio moral nas relações de trabalho e suas implicações na saúde dos trabalhadores foi debatida na noite de ontem (30), durante live promovida pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) que contou com a participação do presidente da Federação Nacional das Associações de Pessoal da Caixa (Fenae), Sergio Takemoto. O evento foi coordenado pela presidente da FNA, a arquiteta e urbanista Eleonora Mascia, e teve como convidada, também, a professora e assistente social na Faculdade de Saúde Pública da USP, Ariana Cellis.

Um dos primeiros a falar sobre o tema, o presidente da Fenae afirmou que na categoria bancária assédio é um assunto muito vasto. Segundo ele, a Fenae tem debatido o tema há bastante tempo e, numa pesquisa realizada com bancários, 33% dos entrevistados disseram ter apresentado algum problema de saúde em decorrência do trabalho.

“Isso corresponde a um terço do total da categoria, é muito grave”, disse. Takemoto contou que foi a partir dessa constatação que a entidade montou a campanha intitulada “Não Sofra Sozinho”.

O dirigente da Fenae afirmou também que na pandemia houve um aumento na depressão, em função do isolamento social, mas principalmente em relação ao assédio aos trabalhadores da Caixa, já que a entidade “está passando por um momento muito singular”.

“O pessoal teve que se desdobrar para trabalhar muito no pagamento do auxílio emergencial do governo e para manter os demais serviços que já realizavam. E houve uma cobrança muito grande junto a eles, que ainda tiveram de trabalhar por metas, neste período”, contou.

De acordo com Sergio Takemoto, é preciso fortalecer os sindicatos e as associações para combater o assédio, pois o trabalhador dificilmente procura a sua entidade nestes casos.

“O grande problema é que quem possui cargo comissionado chega a duplicar de salário. Então, passa a depender financeiramente desse cargo, fica refém do salário. A única forma de combatermos isso é atuando juntos. Temos de combater”, destacou.

Grande estigmatização

Para a presidente da FNA, Eleonora Mascia, existe uma grande estigmatização hoje da doença mental e da Lesão Por Esforço Repetitivo (LER). Muitas pessoas que possuíam LER e tinham de se afastar do trabalho até bem pouco tempo eram vistas como preguiçosas, já que se trata de uma doença que não é visível.

“Em agosto fizemos uma live sobre a insegurança em relação à seguridade e ao plano de saúde entre os trabalhadores. E percebemos que a ameaça de perder esses planos também leva o trabalhador a uma preocupação grande, a um outro tipo de precarização, nessa relação de trabalho”, contou.

Ao apresentar dados do 1º Diagnóstico de “Gênero na Arquitetura e Urbanismo”, realizado este ano pela Comissão Temporária de Equidade de Gênero do CAU/BR, a arquiteta informou que o levantamento revelou grandes inequidades.

O relatório foi elaborado a partir de entrevistas com 987 profissionais (sendo 767 mulheres e 208 homens). Realizou um recorte racial relacionado a tipos de assédio (sexual e moral); violência sexual e discriminação de gênero no trabalho.

Apontou que 59% das mulheres negras entrevistadas declararam sofrer discriminação de gênero, contra 8% dos homens brancos. Além disso, 47% foram assediadas moralmente e 21% enfrentaram o assédio sexual, que “é qualquer ato sexual ou tentativa de obtenção de ato sexual por violência ou coerção, comentários ou investidas sexuais indesejadas”.

Assédio não é violência pontual

A professora e assistente social na Faculdade de Saúde Pública da USP, Ariana Cellis, explicou que o assédio não pode ser confundido com uma violência pontual. “Não que a violência pontual não seja prejudicial ao trabalho, mas o assédio é repetitivo, consiste numa situação constrangedora, deixa sérias consequências e pode levar os trabalhadores a depressão e transtorno diversos”, ressaltou.

Segundo a acadêmica, outra característica é o fato de o assédio ser pouco identificado. Ela contou que uma plataforma conhecida que reúne informações do INSS e do SUS só tem comunicados de acidentes, por exemplo, de 15 arquitetos. E em nenhum dos registros há correlações com casos de saúde mental, como depressão – que pode ser uma das consequências do assédio.

Ela informou que como se isso não bastasse, existe uma lista de doenças relacionadas ao trabalho que precisam ser atualizadas pelo governo, mas o Executivo Federal vetou tal atualização. E isso acontece em paralelo com normas regulamentadoras de trabalho que estão em revisão e sobre as quais há previsão de uma precarização ainda maior.

“Outra questão é que vivenciar uma situação e assédio moral com um colega também traz abatimento para as pessoas”, alertou Ariana Cellis. De acordo com ela, com o trabalho remoto, na pandemia, as mulheres estão ainda mais sobrecarregadas do que os homens, motivo pelo qual é preciso avaliar como os gestores estão fazendo essa análise do trabalho com essas trabalhadoras, como as pessoas estão sendo cobradas.

“A cobrança precisa ser feita de forma muito responsável pelos gestores”, afirmou. A acadêmica sugeriu que em qualquer situação de assédio moral ou sexual a pessoa procure sua rede de apoio ou o Departamento de Recursos Humanos da empresa em que esteja atuando.

“O assédio moral, muitas vezes velado, tem nova roupagem, mas segue com a mesma estrutura: a humilhação e o constrangimento. Os trabalhadores que vivenciam esse processo podem ter rebatimentos tanto na saúde mental como na saúde física e as empresas, problemas na produção. Dessa forma é imprescindível debater, identificar e combater esse mal”, enfatizou a especialista.

Contradições com a idade mínima

O presidente da Fenae falou, ainda, das contradições observadas hoje no país com o aumento da idade mínima para aposentadoria, o que leva os brasileiros a trabalharem até mais tempo de vida e, por outro lado, pode deixá-los mais fáceis de serem vítimas de assédio moral no trabalho.

“A gente percebe claramente no mundo do trabalho que as pessoas mais velhas estão sendo descartadas. As reformas previdenciária e trabalhista são uma contradição. Ao mesmo tempo em que o governo não quer as pessoas mais velhas no mercado de trabalho, não dá nenhuma garantia financeira para elas. É uma situação muito grave que o país está vivendo”, acentuou Takemoto. “A melhor prevenção é sempre falar sobre isso”, frisou.

Eleonora Mascia destacou que o combate a qualquer tipo de assédio precisa ser realizado dentro de uma agenda pelo trabalho decente e condições que considerem equidade no tratamento profissional, “inclusive nos aspectos de remuneração e oportunidades de crescimento”.

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