Rita Serrano

A Caixa encerrou 2017 com um lucro líquido recorde de R$ 12,5 bilhões, o que representa alta de 202,6% em 12 meses. Com o resultado, ultrapassou o Banco do Brasil e o Santander. A notícia chega em boa hora e desmonta um discurso recorrente nos últimos meses, calcado numa falsa polarização entre público e privado no qual o público é caracterizado como ineficiente, burocrático e corrupto e, o privado, dinâmico, inovador, “naturalmente” eficiente e, acima de tudo, incorruptível.

É uma narrativa que tem como interesse favorecer o capital privado e as grandes multinacionais, com a privatização das empresas e ativos brasileiros. Mas o resultado da Caixa mostra que, mesmo sob a grande pressão causada pela necessidade de capital, pelos interesses privatistas do governo que tentaram tornar o banco S/A e por conflitos nas relações da direção da instituição com o Ministério da Fazenda, foi possível construir um resultado positivo, provando a capacidade histórica da empresa pública na superação de crises.

Para se analisar esse desempenho, porém, primeiramente é preciso esclarecer que, dos R$ 12,5 bilhões de lucro da Caixa, parte resulta do impacto gerado pela reversão de provisão atuarial referente ao benefício do pós-emprego, do plano de saúde dos empregados, medida originada pela inclusão no estatuto de teto de gastos. Registro, mais uma vez, que votei contra essa inclusão, mas foi aprovada por maioria. Mesmo desconsiderando o impacto dessa reversão, o resultado do banco teve uma elevação expressiva de 106,9% e alcançou R$ 8,6 bilhões no período.

É preciso também, nesta análise para além dos números, ter em conta que a Caixa é essencialmente um banco público, um agente de desenvolvimento do País e dos sonhos dos brasileiros. A oferta de crédito, que num passado recente distinguiu sua atuação dos demais bancos, agora a aproxima de seus pares. A Carteira de Crédito Ampla recuou 0,4% em 12 meses e atingiu o saldo de R$ 706,3 bilhões em dezembro de 2017, consequência direta da retração simultânea das operações com pessoas físicas e jurídicas da carteira comercial. A Carteira Comercial Pessoa Jurídica (PJ) apresentou a maior queda, de 23,1%, e as operações comerciais com Pessoas Físicas (PF) atingiram o saldo de R$ 93,7 bilhões, diminuição de 8,6% em 12 meses.

Dentre os poucos segmentos de crédito que apresentaram alguma expansão estão o habitacional e aquele voltado para a infraestrutura e saneamento básico. O habitacional teve tímida elevação de 6,3% em 12 meses e saldo de R$ 431,7 bilhões. A carteira de infraestrutura e saneamento, por sua vez, cresceu 5,2%, totalizando R$ 82,7 bilhões. Crescimento importante, mas insuficiente para as enormes necessidades do nosso País nessa área.

Outros fatores com reflexos positivos sobre o resultado da Caixa foram o resultado de intermediação financeira, as receitas com prestação de serviços e rendas de tarifas bancárias, atividade secundária dos bancos. Neste último, mais uma vez, a Caixa distancia-se de seu papel social, já que boa parte desse resultado só foi possível devido ao abandono da premissa até então adotada de “banco das menores taxas”: a renda auferida com Tarifas Bancárias cresceu 19% em 12 meses e alcançou aproximadamente R$ 6,0 bilhões no período. Já o Resultado de Intermediação Financeira cresceu 29,5% e alcançou R$ 31,2 bilhões no ano de 2017.

O balanço também retrata a política do governo de cortes nos programas sociais que a Caixa gerencia. A Faixa I do programa Minha Casa, Minha Vida está paralisada; em 2016, o banco foi responsável por 166 milhões de pagamentos de benefícios sociais no valor de R$ 28,5 bi.

No ano passado, foram 117 milhões de pagamentos, no valor de R$ 21,2 bilhões. Isso representa uma queda de 29% na quantidade de benefícios e 25% no valor das transferências, ampliando a pobreza e a desigualdade e fazendo retroceder o crescimento do País.

É preciso, ainda, ter clareza de que o ganho operacional e em eficiência deve-se ao desempenho dos empregados que, mesmo num cenário adverso de falta de pessoal (até o momento, em torno de 16 mil a menos desde 2014), fechamento de agências e áreas intermediárias e de estresse constante com a pressão por metas, deu conta do recado – em alguns casos pagando com a própria saúde.

Finalmente, vale lembrar que, mesmo em tempos de crise, os cinco maiores bancos brasileiros lucraram juntos R$ 70,2 bilhões, alta de aproximadamente 34% em relação a 2016. Um resultado espetacular, mas que afronta a realidade do Brasil e precisa urgentemente ser questionado pois, embora os bancos privados sejam concessões públicas, não investem no desenvolvimento do País. Até a Caixa, que em outros momentos atuou de forma anticíclica para incentivar a atividade econômica, por conta da atual política de governo não mantém hoje essa conduta, seguindo a mesma lógica das instituições privadas, com restrição ao crédito e alta de juros e spreads.

Nosso papel, reafirmo, continua a ser o de defender a Caixa pública focada no desenvolvimento e que ofereça boas condições de trabalho. Isso só acontecerá, porém, se o modelo de governo mudar, sendo de fato comprometido com o Brasil e seu povo.

Rita Serrano é representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa, coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas e mestra em Administração.

(*) Colaboração da subseção Dieese-Fenae

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