Um movimento com viés militante e compromisso com a Caixa Econômica Federal pública e social, baseado na reflexão crítica, na resistência e na construção coletiva. Assim é a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), fundada em 29 de maio 1971, em Curitiba, no Paraná, e que desde então atua na defesa dos empregados, articulada com a luta pelo banco 100% público e pela democracia. Essa trajetória de 50 anos foi captada pelo livro Tijolo por tijolo: meio século de história do pessoal da Caixa, o primeiro que registra o cotidiano de mobilizações dos trabalhadores do banco. A obra, lançada como a realização de um sonho dos associados das Apcefs, é resultado da parceria da Fenae com o Selo Perfil/Verso Brasil Editora. 

Dividido em sete capítulos, com prefácio de Jair Pedro Ferreira, ex-presidente e atual diretor de Formação da Fenae, e posfácio do conhecido sociólogo Jessé Souza, o livro Tijolo por tijolo cruza a saga nacional do Estado Democrático de Direito como mediador confiável do destino da sociedade e de seu desenvolvimento, tendo como referência a própria trajetória da Fenae e os engajamentos individuais e coletivos de milhares de empregados do único banco 100% público do país. Celebra, portanto, uma biografia de muitas vitórias do movimento associativo e lutas pelos direitos dos trabalhadores, culminando com uma detalhada e certeira exposição dos mecanismos que levaram os empregados da Caixa a deflagrarem movimentos nacionais fortes, amplos e unificados nas últimas cinco décadas.

Para Jair Ferreira, a publicação conta uma história bonita, lúcida, rica e de solidariedade. A perspectiva é a luta em defesa da Caixa e dos empregados. “Nesses 50 anos, foram muitos projetos na cultura, no esporte, na área de qualidade de vida e na formação das pessoas. É um momento, portanto, de agradecer aos trabalhadores, sobretudo aos associados das Apcefs, que acompanharam e fizeram parte dessa trajetória”, recorda. Ele ressalta que, no âmbito da Fenae, foram construídos diversos capítulos da luta pelos direitos dos trabalhadores como o primeiro Congresso Nacional dos Empregados da Caixa (Conecef), a negociação dos primeiros acordos coletivos, a mobilização pela jornada das seis horas e o direito à sindicalização. E acrescenta: “O livro Tijolo por tijolo resgata história e memória. E hoje, diante dos ataques privatistas contra o patrimônio público, estamos vivenciando uma luta de preservação da memória e da história”.

Tijolo por tijolo revela o lado dos trabalhadores frente ao choque de gestão, arrocho fiscal, alta dos juros e venda do patrimônio público para a iniciativa privada. Descreve a mobilização contra o retrocesso, que envolve o cotidiano de muitos bancários e bancárias, com base na atuação de uma Caixa pública, social e forte. O cenário aponta para o fato de que, para tornar-sustentável, o Brasil precisa ser economicamente viável, socialmente justo, culturalmente ousado e ecologicamente equilibrado. “O livro deixa um legado face a um projeto coletivo de banco público e de país”, afirma Valéria Lamego, doutora em Literatura e proprietária da Verso Brasil Editora, com sede no Rio de Janeiro. Ela lembra que a produção da obra, em um curtíssimo espaço de tempo, foi difícil, ao mesmo tempo que foi prazeroso fazê-la. Segundo Lamego, o planejamento criado pela Verso Brasil, sem que antes se tivesse qualquer experiência com publicações institucionais, visava contar a história da Fenae com base na história do Brasil.

E foi assim que tudo aconteceu. Para produzir a obra, a Editora carioca utilizou o princípio de conhecer a história da Fenae, antes de qualquer coisa, para depois estruturá-la. O mergulho foi feito de duas maneiras, distintas e complementares: pesquisas em materiais publicados pela entidade e entrevistas com diretores e ex-presidentes. Esse trabalho, realizado em tempo recorde, contou com uma equipe de dois jornalistas, dois historiadores e uma pesquisadora iconográfica, além da colaboração direta e indireta de muitas pessoas. “Apesar da experiência complexa, a produção do livro da Fenae me deu uma satisfação enorme”, diz Valéria Lamego.

Um dos capítulos do livro é dedicado à cultura, do verbo à música, passando pelo teatro. Um dos personagens artísticos, com registro de foto de destaque na capa de Tijolo por tijolo, foi a atriz e ex-empregada da Caixa, Marizilda Rosa, hoje morando em Brasília, apesar de ter nascido em São Paulo. Enquanto esteve na ativa no banco, ela participou de diversos eventos culturais promovidos pela Fenae e pelas Apcefs. “É muito bom fazer parte dessa história, principalmente agora quando a cultura é tão afetada e discriminada no país. A Fenae mobiliza e incentiva os empregados do banco a fazerem arte, o que reforça a luta por uma Caixa pública”, argumenta.

Na Caixa, Marizilda Rosa participou de grupos de teatro em Mato Grosso e em São Paulo, marcando presença também em algumas edições do Festival Nacional de Representação Teatral dos Empregados da Caixa (Fenarte). Na época, aliás, integrou o Tabefe, antigo grupo de teatro da Apcef/SP. A atriz considera muito importante, até pela troca de informações entre colegas de um mesmo banco, o trabalho da Fenae e das Apcefs de apoio à arte e à cultura. “Em 50 anos, com ênfase no teatro, o que a Fenae produziu foi de um nível profissional absurdo”, declara. Hoje, com formação em Arte Dramática pela Universidade de São Paulo (USP), a aposentada leva adiante a carreira de atriz fora da Caixa, fazendo trabalhos virtuais por causa da pandemia.

Para o aposentado Eros Antonio Ferreira Lang, do Paraná, a integração entre colegas de trabalho por meio de atividades esportivas, propiciada pela Fenae, é um dos marcos da trajetória de meio século da entidade. Graças a esse apoio, de acordo com ele, muitos empregados puderam participar de várias edições dos Jogos Fenae. Nesse palco, onde conheceu muita gente de todo o Brasil, Eros Lang disputou seis finais na modalidade Xadrez, sagrando-se campeão em duas: 1989 (Natal/RN) e 2014 (Goiânia/GO). Ele, que entrou na Caixa em 1989, aposentando-se em dezembro de 2020, por meio do último Plano de Apoio ao Desligamento Voluntário (PADV), instiga a Fenae a continuar patrocinando eventos como os jogos nacionais.

Impressiona ainda o fato de que tudo, no livro Tijolo por tijolo, é conciso e preciso. Como num quebra-cabeça bem concebido, nenhum elemento é supérfluo e nenhuma situação foi relatada fora do contexto ou do lugar. É espantoso como tantas narrativas ganham vida nesta saga livresca. Tijolo por tijolo é obra de uma entidade em plena posse de seus propósitos, lutas e de sua linguagem. Os protagonistas são os empregados da Caixa. E a atualização do jeito Fenae de mudar o Brasil, para reafirmar a coisa pública, continuará a ser feita, ano após ano, pelas mobilizações dos trabalhadores do banco. É que a Fenae foi criada como um movimento com direção determinada, que surge em contraposição ao autoritarismo, corrige vícios e consolida a unidade para conquistar sempre mais.

Compartilhe: