A live-filme “Inspira: A Esperança Equilibrista” reuniu mais de quatro mil pessoas na noite deste sábado (27) para acompanhar o espetáculo on-line que mesclou música, cinema, histórias, apresentações ao vivo e gravadas e encontros virtuais. Arte e cultura como instrumento de transformação social e política, troca de afetos e cuidados e a importância de manter os sonhos vivos e refletir sobre o futuro pós-pandemia. Duas horas conduzidas pelo fio da esperança equilibrista.

A iniciativa da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e das Associações do Pessoal da Caixa (Apcefs) em parceria com a ONG Redes da Maré — que desenvolve projetos sociais em benefício a 140 mil moradores das 16 favelas da Maré, no Rio de Janeiro (RJ) contou a participação de nomes importantes para a arte brasileira, entre eles João Bosco, Zeca Baleiro, Ivan Lins, Zélia Duncan, Leila Pinheiro e a Orquestra Maré do Amanhã.

João Bosco, em mensagem gravada, recordou a história da canção “O bêbado e o equilibrista”, composta em parceria com Aldir Blanc, compositor de clássicos da música brasileira que faleceu em 4 de maio deste ano vítima da Covid-19. A música foi feita em 1977 e gravada por Elis Regina no álbum Essa Mulher, de 1979. Naquele mesmo ano também era promulgada a Lei da Anistia. A canção tornou-se um hino informal dos últimos suspiros da Ditadura Militar.

A esperança entoada pela canção é um item de sobrevivência à pandemia de Covid-19. Tendo como geografia de inspiração para a resistência o complexo de favelas da Maré, a live proporcionou beleza, empatia e reflexões sobre o cenário que o Brasil e o mundo vivenciam. Esperança para equilibrar a difícil missão de resistir, juntos, porém distantes.

Ivan Lins e a Orquestra Maré do Amanhã mostraram sincronia em uma sinfonia conduzida pelo experiente intérprete e músico e pelos jovens e talentosos instrumentistas. Entremeados nas canções, depoimentos de Clarice Ninkier e Rodrigo Maré sobre como resgatar a esperança no presente. O poema Auto da Favelas, de Vítor Félix, morador da Maré, sobre a realidade que persiste mesmo quando a luta resiste.

Leila Pinheiro apresentou, ao vivo e à capela, a canção “Brasil Lua Cheia”, uma parceria de Francis Hime e Moraes Moreira (1939-2020) que também fala sobre esperança. Houve ainda um encontro virtual entre a cantora e o colega Zeca Baleiro.

Todas vidas importam

A indígena do povo Witoto Vanda Ortega atua na linha de frente no combate à Covid-19 em Manaus (AM). Em um depoimento gravado, a professora e técnica em enfermagem, única profissional de saúde moradora do Parque das Tribos, onde vivem cerca de 2.500 indígenas de 35 grupos étnicos, fez um apelo à vida. “Vidas indígenas importam, vidas negras importam, todas as vidas importam. Não sejam negligentes”, pediu.

Por meio de um memorial das vidas perdidas na luta contra o racismo estrutural enraizada na sociedade, como Marielle Franco, João Pedro, Ágata, João Víctor, Iago, George Floyd e tantas outras vidas, o ator Flávio Bauraqui destacou o movimento #BlackLivesMater / #VidasNegrasImportam e ressaltou o papel da esperança de um futuro melhor.

Zeca Baleiro, durante a apresentação ao vivo, recordou o projeto do qual participou no Complexo da Maré no ano de 2000: “Mão Gentil”. Um espetáculo do coreógrafo Ivaldo Bertazzo que levou 81 pessoas, a maioria adolescentes de periferia, para sacolejar sobre o palco em um cenário com caixas de papelão, sacos de lixo e afins para mostrar que a periferia produz e inspira belezas, mesmo num mundo precário e desigual. Passados 20 anos, a mensagem desse projeto está mais atual que nunca e aponta para a esperança.

A coreógrafa Lia Rodrigues gravou depoimento sobre a jornada dela com a dança como ferramenta de transformação social. Desde 2003 ela realiza trabalhos no Complexo da Maré e, em 2007, em parceria com ongs locais criou o Centro de Artes da Maré. O local oferece atividades pautadas pela reflexão, sensibilização para as questões da arte e formação de plateia. As atividades ocorrem ao longo do ano todo com aulas, ensaios do repertório, e trabalho de pesquisa e criação.

 A cantora Zélia Duncan, apresentou dois vídeos gravados, pois está acometida por uma faringite e não pode cantar ao vivo. Em sua participação, o filósofo Leandro Karnal comentou sobre o presente triste e violento e ressaltou a relevância da esperança, como na canção que inspirou o nome do espetáculo: “O bêbado e o equilibrista”. “Mas sei que uma dor assim pungente | Não há de ser inutilmente | A esperança | Dança na corda bamba de sombrinha | E em cada passo dessa linha | Pode se machucar”, recitou.

A live contou ainda com depoimentos gravados de vários moradores da Maré, como Paulo Vítor, que falou sobre as dificuldades para corpos favelados, em especial negros e não-heteronormativos, crianças que participam de projetos culturais de música e dança. Para que a gente persista na esperança.

O espetáculo foi transmitido pelos canais da Inspirartes Produções Culturais, no YouTube e Facebook.

Compartilhe: