O governo federal começou o processo de liquidação da Ceitec, (Centro Nacional de Tecnologia), empresa pública que concentra o desenvolvimento do País na área de microeletrônica. E, de forma cruel, às vésperas do Dia do Trabalhador deu início à demissão em massa dos cerca de 170 empregados da estatal, numa mostra de total descaso com a perda de capital humano e investimento tecnológico que o fim da Ceitec representa.

Foram demitidos mais de 30 empregados, desrespeitando recomendação do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul, que pede liminar para que os empregados não sejam demitidos até que se concluam as negociações coletivas com o Sindicato e que sejam revertidas demissões feitas a partir da deliberação de liquidação da empresa, em 11 de fevereiro passado. A ação do MPT foi ajuizada no último dia 5, para garantir aos trabalhadores o direito de negociação coletiva prévia à dispensa em massa, prevista na legislação.

Mas, pela determinação do decreto 9589, que regulamenta o processo de liquidação da Ceitec, as demissões devem continuar a ocorrer rapidamente. Para a Associação dos colaboradores da Ceitec, a Acceitec, “a demissão do dia 30 de abril é mais um ato dessa liquidação insensata. Foram exonerados aproximadamente 20% dos colaboradores, servidores entre os mais especializados do País, o que causa um impacto enorme na operação da empresa”.

De acordo com a Acceitec, “os colaboradores dispensados são concursados, selecionados entre os melhores especialistas em suas áreas, e formam um corpo técnico de dificílima reposição”. E “essa é uma das ações nefastas que poderão levar, muito brevemente, ao fracasso brasileiro na área de semicondutores, com impacto na geração de empregos em todo o ecossistema da eletrônica do País”. A entidade lembra ainda que, além disso, a decisão de liquidação está em análise pelo TCU pelos “vários indícios de agressão ao princípio de economicidade, estudos insuficientes e desprezo pela função social da CEITEC”.

“Fomos demitidos com poucos sendo comunicados pelas chefias, sem orientação e sem respeito, sem negociação sindical. Eu me senti um nada, pois dei meu melhor nos últimos 13 anos para ser desligado dessa forma. A empresa está rumando para a liquidação a passos largos, mesmo sem o julgamento de um órgão competente e, assim, já gerando danos irreparáveis e de difícil reversão”, afirma Christian Hubert, um dos trabalhadores exonerados e que também integra a Acceitec (veja íntegra de seu relato ao final deste texto).

A Ceitec opera com semicondutores e está presente em vários setores, como nos chips para marcação de bois, leitura do código de barras instalado nos veículos para passagem em pedágios, realização de inventários patrimoniais, tags de identificação pessoal e medicamentos. É a única empresa na América Latina capaz de produzir, do começo ao fim, chips utilizando silício (usado em processadores de smartphones, tablets e computadores).

“É um absurdo acabar com uma empresa de ponta como a Ceitec, e desumano promover a demissão de seus trabalhadores. O País precisa de empresas públicas como a Ceitec, inovadoras e ágeis, não de liquidação ou privatizações, que são um retrocesso”, destaca a coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, Rita Serrano.

“Hoje sou mais um desempregado, mas continuo na luta junto à Acceitc porque acredito na Justiça e num País desenvolvido”

Leia o relato de Christian Hubert que, após anos de trabalho na Ceitec, foi exonerado sem qualquer comunicado ou justificativa

“Eu me chamo Christian Hubert, tenho 39 anos, 13 deles lutando pela Ceitec, para o desenvolvimento da ciência e tecnologia nacional. Entrei entre bem no início da Ceitec, antes de se tornar empresa pública, para a qual prestei o primeiro concurso da sua história, em 2013. Estava lá desde então até o dia em que fui comunicado do meu desligamento. Fui notificado por uma colega, não por parte de nenhuma chefia, ninguém mais. Fiquei sabendo quando o Diário Oficial estava para sair: foram anos prestados à empresa e fui dispensado sem esclarecimento ou qualquer pronunciamento, por menor que fosse.

Assim, o dia 1º de Maio, Dia do Trabalhador, passei desempregado e humilhado. Mesmo sendo concursado e não havendo qualquer reclamação sobre os meus resultados para empresa e para o País. Sou um profissional com 20 anos de experiência em Gestão e Qualidade, com experiência e especialização na área de eletrônica e semicondutores, e muito desse desenvolvimento foi pago pela própria empresa, com investimento pesado na formação de mão de obra especializada.
A Ceitec, antes de sua indicação para liquidação, estava em uma crescente de faturamento e produtividade. Uma coisa que não levaram em consideração é que esse tipo de segmento da microeletrônica e semicondutores leva em média 10 anos para começar a dar seu retorno; a Ceitec empresa pública iniciou com o concurso em 2013 e suas operações só começaram em 2016 após transferência de tecnologia; ou seja, longe dos 10 anos ainda.

A Ceitec passou os primeiros anos de vida atuando para o governo federal em atendimento às políticas públicas. Em 2018 abriu para venda ao mercado privado, e o mercado privado logo absorveu os produtos e partiu para desenvolver novos, aumentando assim seu faturamento e, como comprovado nos balanços e relatório de gestão 2018/2019/2020, havia uma crescente expectativa de independência financeira para 2024. Os estudos do PPI e PND foram tendenciosos, o próprio TCU apontou irregularidades no processo.

Mas, mesmo com inúmeros apontamentos, a morosidade da Justiça deixa atos como as demissões acontecerem de forma irregular, causando assim danos irreparáveis aos funcionários, empresa e, principalmente, aos cofres públicos.
Hoje sou mais um desempregado nesse País, com pandemia, dificuldades econômicas e sem futuro na ciência e tecnologia. Mas continuo nessa luta junto à Acceitec, porque acredito na Justiça e nas coisas corretas, acredito em um País próspero e desenvolvido, acredito em um julgamento justo e que um estudo correto e sem vícios sem dúvida apontaria o caminho de sucesso da empresa e do Brasil”.

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