Os protagonistas de “Não Toque em Meu Companheiro” são empregados da Caixa Econômica Federal de Belo Horizonte, Londrina e São Paulo, na luta e na resistência pelo banco 100% público e em defesa dos direitos dos trabalhadores. Esses bancários interpretam o próprio papel no ambiente de trabalho, ao mesmo tempo que compartilham a memória de um movimento e a data em que ocorreu: o ano de 1991. Na outra ponta, um presidente, Fernando Collor de Melo – autodenominado de “o caçador de marajás”, e o projeto econômico neoliberal e privatista.

Esse enredo teve como alicerce uma greve de 21 dias, quando 300 mil bancários de todos os bancos e em todo o país cruzaram os braços por respeito e valorização profissional. Na época, a paralisação foi considerada ilegal e muitos bancários voltaram ao trabalho temendo represálias, com exceção dos trabalhadores da Caixa, que em assembleia decidiram permanecer com o movimento. O resultado foi a demissão injusta de 110 empregados, localizados principalmente em Minas Gerais, Paraná e São Paulo, surgindo a partir daí uma resistência que durou um ano e foi apoiada por 35 mil colegas do banco público Brasil afora, que autorizaram o desconto em folha e sustentaram financeiramente os trabalhadores dispensados arbitrariamente pela direção do banco, até a reintegração de todos os 110 colegas, em 1992, após o impeachment do então presidente Collor. 

Combinadas, a união e a solidariedade foram determinantes para assegurar que os demitidos tivessem condições de seguir com a luta pela reintegração. Isso ocorreu com a colaboração da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), que organizou o movimento e convidou Maria Augusta Ramos para contar essa história em formato de documentário. O filme de Guta, como é conhecida a cineasta, ecoa simbolicamente na trajetória de 50 anos da Fenae, a ser completada em 29 de maio de 2021, e faz parte também dos 160 anos da mobilização por uma Caixa pública, social e sempre fortalecida. “O convite para produzir o filme se revelou um presente, uma vez que me colocou em contato com uma história tão bonita de luta dos trabalhadores no Brasil, uma história importante não apenas pelo exemplo que traz, mas pela sua atualidade conjuntural”, declara Maria Augusta ao relatar como foi a produção de “Não Toque em Meu Companheiro”, em parceria ‘muito rica’ com a Fenae. 

O documentário de Guta traça um paralelo entre o período Collor com o do governo Bolsonaro, ambos com suas políticas neoliberais e privatistas, traduzidas no ‘velho novo’ discurso da privatização da Caixa e de outras estatais, sempre na perspectiva pró-família, conservadora, de Estado mínimo e contra os servidores. Esse paralelo do Fernando Collor de Mello com Jair Bolsonaro prova que o retrocesso instaurado no Brasil no governo do “caçador de marajás” se repete, agora, com o “perseguidor de parasitas”.  

“Não Toque em Meu Companheiro” não é, de forma alguma, um filme isolado, uma produção ‘perdida’ que vem dos porões de governos autoritários. O documentário é parte de um verdadeiro movimento em prol do Estado Democrático de Direito, que tem produzido muita coisa, e que é recorrente em mobilizações e conquistas dos empregados da Caixa. Reacende ainda a esperança de que a união e a solidariedade são importantes ferramentas de resistência contra o retrocesso e de afirmação pela Caixa 100% pública.

Ao analisar o seu filme sob a ótica da atuação cinquentenária da Fenae, a cineasta Maria Augusta levanta a tese da relevância de uma organização como a Federação para os trabalhadores do mundo contemporâneo, “capaz de fazer em 1991 com que a categoria bancária resistisse e revertesse, de forma heroica, as injustas demissões daquele momento”. Guta menciona que isto foi feito sem deixar de enfrentar as contradições do atual momento cheio de dificuldades, sobretudo para as gerações mais jovens, de se engajar em lutas sociais que visem o coletivo, mais que o indivíduo. 

“O documentário “Não Toque em Meu Companheiro” reflete a luta contra o retrocesso no Brasil, ao revelar a importância de um banco público para um projeto de desenvolvimento de país mais humano e por mostrar projetos admiráveis operados pela Caixa, como as agências barco, que levam esses serviços para regiões mais isoladas, no Amazonas e no Pará”, observa. Ela afirma que o principal legado é o da importância da Caixa 100% pública, combinada com o compromisso dos trabalhadores em reafirmá-la cada vez mais. “Tudo isso em um tempo em que os bancos públicos são atacados e os direitos dos trabalhadores são igualmente atacados”, diz a cineasta.

No set de filmagem, foram muitos os reencontros emocionados entre empregados de um mesmo banco. Trabalhadores que não se viam há anos se comoveram ao relembrar o cenário de desalento, a mobilização e a solidariedade dos colegas. Nas gravações, empregados demitidos em 1991 e os mais jovens, alguns dos quais nem sequer nascidos na época, refletiram sobre o que aconteceu no passado e sobre os novos e atuais dilemas do trabalho no banco.    

“A gente dá risada agora, na época a gente estava numa greve longa, de 21 dias, quando veio a bomba: Collor demite 110 trabalhadores em Belo Horizontes (30), Londrina (30) e São Paulo (50). Diante da notícia, as entidades representativas se organizaram e os empregados começaram a se movimentar. Uma certeza permeava essa mobilização: acreditar na luta coletiva”, recorda Jair Pedro Ferreira, diretor de Formação da Fenae. Jair Ferreira, um dos personagens do documentário, esteve na época na lista dos demitidos.

De acordo com ele, o movimento de 1991 foi um capítulo importante da luta pelos direitos dos trabalhadores e, nesse sentido, o resgate da mobilização pela reintegração dos demitidos é vital para os novos empregados compreenderem que o movimento nacional na Caixa é feito de lutas e conquistas. “Registrar e contar esses acontecimentos, rever as pessoas, ouvir sobre o que cada um viveu e reafirmar a rede de solidariedade entre trabalhadores de um mesmo banco, o único 100% público do país, são alguns do importante saldo captado pelo documentário”, pondera.  

“Não Toque em Meu Companheiro” retrata cenas de solidariedade e de esperança, reunindo personagens que participaram do movimento de 1991 e os da nova geração. “Por tudo que estamos passando hoje, considero necessário resgatar tanto a solidariedade quanto a esperança na Caixa e no Brasil”, pontua Sergio Takemoto, presidente da Fenae. Em 1991, quando a direção do banco anunciou a lista dos 110 trabalhadores demitidos, dos quais 50 apenas em São Paulo, Takemoto ficou encarregado de dar a notícia para a esposa, informando-a de que o nome dela constava na relação paulista. Ela, tal como ele, é empregada da Caixa. 

Sergio Takemoto reitera que os 75 minutos do documentário da Guta é uma oportunidade para que os empregados conheçam um dos momentos mais difíceis e ricos da nossa categoria. “Não é fácil fazer a luta, não é fácil fazer a mobilização dos trabalhadores, mas sempre vale a pena”, ressalta o presidente da Fenae.  

Outra personagem do documentário, que foi também demitida em 1991, é Ana Maria Maciel, aposentada no último Programa de Desligamento Voluntário Extraordinário (PDVE), em 30 de novembro de 2020, depois de ter trabalhado na Caixa por 31 anos. Para Maciel, o filme “Não Toque em Meu Companheiro” contribui para resgatar a memória da luta dos empregados do banco, além de mostrar a importância da organização, da união e da solidariedade entre trabalhadores.

“Em 1991, tal como agora em 2021, havia todo um programa governamental de desmonte da Caixa, de privatização do banco. O documentário “Não Toque em Meu Companheiro” deixa isso bem claro. Traz uma retrospectiva do que aconteceu no passado, durante o governo Collor, e mostra o que acontece agora no presente, sob o governo Bolsonaro. É a mesma ideia de destruição da Caixa pública e social”, denuncia Fátima Regina S. Carreri, uma das demitidas por causa da greve no início dos anos 1990, hoje aposentada desde fevereiro de 2017. 

Fatiminha, como é chamada por familiares e conhecidos, elogia o papel preponderante que a Fenae teve para o êxito do movimento de 1991, encampando a batalha de reintegração dos 110 demitidos, dando suporte financeiro e facilitando a alocação dos empregados nas sedes das Apcefs. “Corríamos o Brasil e as Associações do Pessoal da Caixa nos davam pouso e alimentação. Tínhamos, portanto, uma estrutura toda para ser utilizada”, lembra. Atualmente, segundo ela, ao completar 50 anos de história, união e conquistas, a Fenae continua a ter um papel importantíssimo na defesa dos direitos dos empregados e na defesa da Caixa pública.  E conclui: “A Fenae tem uma tarefa fundamental, através das Apcefs, de resgatar esse movimento de resistência, reavivando cada vez mais a conscientização dos empregados de que o banco é público e social. E isso não pode ser deixado de lado”.

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